quinta-feira, dezembro 22, 2005

Comer, Beber, Festejar as Boas Festas...

Apesar de este post ir em muito contra aquilo que postei ontem sobre o "Natal vegetariano" e contra as minhas opções alimentares, considero que este texto e estas receitas são muito interessantes pelo regionalismo, a tradição e o carisma culinário do nosso país... desta forma, aqui fica:
"Pequeno país somos, mas a variedade e as variantes culinárias, essas, são infindáveis. Para fugir ao habitual bacalhau com todos da Consoada, e sem ultrapassar o âmbito das nossas cozinhas regionais, sugerimos alguns pratos e doces natalícios. Festeje cada um como lhe aprouver, mas festeje, que é quando os tempos são maus que lhes devemos fazer boa cara, para os assustar. Boas Festas!
Aos madeirenses basta-lhes uma palavra, "Festa", para nomear o tempo especial - Consoada, Natal, Ano Novo, Dia dos Reis - que se aproxima, ao menos para aqueles de nós que vivem em terras de cultura cristã. Festejos de contornos particulares, em que se celebra a vida e a abundância, a fraternidade e os bons sentimentos e se evoca a memória dos que já partiram. Em muitas casas portugueses, na noite da Consoada, "o mais solene banquete da família" lhe chamou Ramalho Ortigão no século XIX, há um lugar à cabeceira da mesa que fica vago e esta, no final da refeição, fica intocada, para que nada falte, caso os que já não estão entre nós decidam, por uma noite, voltar a casa.
Comida festiva em nações ainda marcadas pela ruralidade é comezaina, que é o nosso caso. De Norte a Sul, no Continente, e nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, em todas as suas ilhas, a abundância é o traço distintivo das refeições dos dias de Festa, com destaque para a noite da Consoada e o almoço do dia de Natal. O bacalhau com todos (penca ou couve portuguesa, batatas, cenouras, ovos, em muitos casos também cebolas), cozido em água abundante e bem azeitado era e é um prato obrigatório na Consoada minhota. A "roupa-velha", confeccionada com as sobras da refeição da noite de 24 de Dezembro, é o primeiro prato do almoço do dia de Natal. A sul - não esquecer que estamos no tempo da matança - mandava o porco, também o peru e outras aves de capoeira, actualmente ainda consumidos em profusão. Os tempos, porém, alargaram o consumo ao bacalhau e também ao polvo - cozido, estufado ou com arroz -, embora as ementas variem muito de casa para casa, mesmo dentro da mesma região. Entre os pescadores da Póvoa de Varzim, por exemplo, o peixe seco (diferentes tipos de cação e o ruivo, entre outros) é obrigatório na noite da Consoada, informa Manuel Lopes, director da Biblioteca Municipal e do Museu Municipal de Etnografia e História da cidade.
A doçaria é igualmente obrigatória e a sua variedade é riquíssima: rabanadas, velhoses, filhós, sopas secas doces, sopa dourada, pão de ló, por muitos chamado pão leve, bilharacos, bolinhos de jerimu, formigos ou mexidos, fartes, espécies, migas doces, borrachos, bolo de mel, pudins, sonhos, aletria, arroz doce, leite creme, bolos podres, broinhas e broas, bolo-rei, merendeiras, azevias...
Bebe-se, a Norte, o vinho quente após a Missa do Galo, nas ilhas licores caseiros e vinhos de mesa e generosos em todo o lado. Para o bacalhau escolham-se brancos encorpados e vinhos novos tintos. Para os assados de forno ou um espumante bruto ou tintos reserva e garrafeira com algum tempo de estágio, sendo aconselhável a respectiva decantação. Para os doces - e porque os momentos são solenes - vale a pena tirar da garrafeira uns Porto 20 anos ou uns Colheita já com alguma idade, ou uns "Vintage" com uns 20 anos de garrafa, sem esquecer os Madeira datados, bem como os Moscatel de Setúbal adultos, os Roxo e essa relíquia que é o Bastardinho. Boas Festas!
Receitas para um Natal diferente
Sopa seca
(6 a 8 pessoas)
250 gr. de presunto
125 gr. de chouriço
2 farinheiras
350 gr. de orelheira
1 pé de porco
125 gr. de toucinho
400 gr. de vaca de cozer
2 couves portuguesas
500 a 600 gr. de pão de 1ª
gordura de assar lombo ou molho de carne assada
Cozem-se as carnes em água abundante. Depois de cozidas, retiram-se do caldo e cortam-se aos bocados. Coa-se o caldo e leva-se ao lume. Juntam-se as couves esfarrapadas e deixam-se cozer. Num prato fundo que possa ir à mesa e ao forno, coloca-se, em camadas alternadas, o pão cortado em fatias, as couves cozidas e as carnes. À medida que se formas as camadas, vai-se regando com o caldo de cozer as carnes. Rega-se tudo com o molho de carne assada ou com a gordura de assar lombo. Leva-se ao forno para alourar bem à superfície. Na região de Coimbra, sempre que se faz cozido à portuguesa, no dia seguinte aproveitam-se os restos para fazer esta sopa. Prato que se serve pelo Natal na zona de Alvares.
Em Maria de Lourdes Modesto, capítulo Beira Litoral de "Cozinha Tradicional Portuguesa", Editorial Verbo, 1ª edição Janeiro de 1982
Migas lagareiras à Lafões
(4 pessoas)
1 posta grande de bacalhau
1 couve troncha portuguesa grande
400 gr. de pão de trigo
3 dl de azeite novo
3 dentes de alho
Demolha-ss o bacalhau muito bem e coze-se juntamente com a couve. Escorrem-se e desfaz-se o bacalhau em lascas. Num tacho de barro de Molelos dispõe-se uma camada de lascas de bacalhau, outra de couve e outra de pão cortado em fatias finas. Rega-se com azeite e um pouco da água de cozer o bacalhau e a couve e espalha-se por cima alho picadinho. Dispõe-se nova camada de bacalhau, de couve, e tempera-se como se disse. Procede-se sempre do mesmo modo até se esgotarem todos os ingredientes. Leva-se ao forno durante alguns minutos e serve-se. Deve ser feito com azeite novo e não deve ficar seco.
Em Maria de Lourdes Modesto, no capítulo Beira Alta de "Cozinha Tradicional Portuguesa"
Molha de carne - Pico - Açores
2 kg. de perna de porco com osso
125 gr. de banha
3 cebolas grandes
6 dentes de alho
1 colher de sopa de massa de malagueta
1 colher de sopa de colorau
1 colher de café de cominhos
1 folha de louro
5 tomates
500 gr. de batatas novas pequeninas
vinho de cheiro (vinho tinto do Pico)
sal
Corta-se a carne aos bocados e põe-se a marinar cerca de seis horas com sal, a massa de malagueta, os dentes de alho picados, o colorau, os cominhos, a folha de louro e o vinho a cobrir. Passado esse tempo, rosa-se a carne na banha, faz-se um refogado com a restante banha, cebola picada e os tomates limpos das sementes, que fervem até se desfazerem. Junta-se a carne e deixa-se refogar um pouco. Rega-se com um pouco de vinha-d'alhos e coze. À parte, fritam-se em banha as batatas raspadas. Misturam-se ao preparado anterior e deixa-se levantar fervura. Este prato é cozinhado em tacho de barro e servido no mesmo.
Nota: Rosar é o mesmo que fritar. Tradicional do Natal. Antigamente era costume apresentar a molha de carne inteira, numa travessa, rodeada com as batatas. A dona da casa partia a carne e ia servindo as pessoas que estavam à mesa.
Em Maria Odete Cortes Valente, em "Gastronomia Portuguesa - tradição e prática regional", Colares editora
Marrã do Natal
A ceia de Natal, na maioria do Alentejo, faz-se depois da missa do galo e tem como prato principal o porco, que nesta noite toma o nome de marrã, para comemorar o fim do jejum do Advento. Matava-se o animal que mais gordura tivesse, porque o verdadeiro sabor da carne de porco engordado a bolota vem da camada grossa de toucinho que a envolve. Era altura também de abater as porcas criadeiras, que são chamadas de marrãs.
A carne é cortada com todo o toucinho envolvente e com a pele e é também assim cozinhada. Corte em cubos grossos um quilo e meio de marrã, com toucinho e com pele. Tempere com sal e pimenta. Num tacho de barro, ponha duas colheres de sopa de banha de porco a derreter e deite quatro alhos picados e uma colher de massa de pimentão. Deite a marrã e logo de seguida regue com um copo de vinho branco. Ponha o lume no mínimo e a descoberto deixe cozer durante três horas. O toucinho vai-se desfazendo, a pele vai ficando passada e a cerne fica tenra, quase em 'confit', com um sabor que nada tem de parecido com as carnes de porco que se consomem modernamente, criadas com farinhas e hormonas, longe dos montados de bolota que lhe dão riqueza de paladar. Não tenha receio de uma carne de porco gorda; não é obrigado a comer o toucinho, mas a carne desenvolvida debaixo da sua protecção fica com um sabor mais rico e uma consistência mais tenra.
Em Alfredo Saramago em "Cozinha para Homens - a Honesta Volúpia", Colares editora
Bolos de Natal
(Malveira da Serra e Janes da Malveira)
3 kg. de farinha
2,5 kg. de açúcar
6 ovos
um pouco de fermento de pão
250 gr. de manteiga
casca de limão
1 pau de canela
Em vez de leite, usar "chá de limão" (cerca de 0,5 litro) no qual se ferve a casca de limão e um pau de canela. Tendem-se bolinhos que se enrolam nas palmas das mãos enfarinhadas, espalmam-se e dobram-se ao meio no sentido do comprimento para formarem uma crista longitudinal. Dá-se-lhes a forma de ferradura e recortam-se os bordos superiores das cristas com tesoura ou com uma faca, dando-se-lhes golpes oblíquos e espaçados de cerca de 0,5 cm. Assentam-se, pela face interior, sobre folhas de laranjeira ou preferivelmente de limoeiro, folhas que se colocam sobre a pá e vão-se metendo, assim, no forno, para cozerem.
Recolha de Ana Maria Amaro, "A Mulher Saloia - A Padeira e o Pão", citada por Manuel Paquete, em "Cozinha Saloia - hábitos e práticas alimentares no terno de Lisboa", Colares editora
Migas doces - Valpaços
(10 pessoas)
12 ovos
18 colheres de sopa de açúcar
125 gr. de miolo de noz
canela
Misturam-se os ovos com o açúcar e batem-se ligeiramente. Deita-se a mistura num tacho e leva-se ao lume brando até começar a engrossar. Retira-se o preparado do lume e mexe-se um pouco mais. Deita-se na travessa. Parte-se o miolo de noz, esfregando-o entre as mãos, e junta-se ao doce. Serve-se polvilhado de canela.
Em Maria de Lourdes Modesto, capítulo Trás-os-Montes e Alto Douro de "Cozinha Tradicional Portuguesa", Editorial Verbo
Velhoses ou bilharacos
1,5 kg de abóbora-menina (já descascada)
100 gr. de farinha de trigo
açúcar escuro
sal
azeite
Coze-se a abóbora em água e sal e deixa-se a escorrer dentro de um saco de um dia para o outro. No dia seguinte amassa-se a abóbora com a farinha e frita-se a massa, com a ajuda de duas colheres, em azeite a ferver. Escorrem-se e passam-se por açúcar escuro. Estas velhoses, que hoje de usa comer na Consoada e no Dia de Fiéis, eram outrora vendidas na Praça Velha de Coimbra.
Em Maria de Lourdes Modesto, capítulo Beira Litoral de "Cozinha Tradicional Portuguesa", Editorial Verbo
Bolo de mel com migas de castanhas
300 gr. de castanhas
2 taças de farinha com fermento
8 ovos
1 copo de azeite
1/2 copo de aguardente
1 colher de canela
Batem-se muito bem todos os ingredientes e vai-se juntando a farinha até obter uma massa consistente. Cozem-se as castanhas, esmagam-se a juntam-se à massa, que vai a cozer moderadamente em forma sem buraco untada com manteiga. Faz-se depois um charope com meio copo de mel, água e duas colheres de aguardente e rega-se o bolo depois de desenformado. Decore-se com algumas castanhas cozidas.
Em Julieta, Pinela, Bragança
Vinho Quente - Vila do Conde
(6 a 8 pessoas)
6 ovos
250 gr. de açúcar
2,5 dl de vinho verde tinto
2,5 dl de vinho Madeira ou Moscatel
2,5 dl de vinho do Porto (tinto doce)
pão duro
sal
Batem-se as gemas com o açúcar até se obter uma boa gemada. Entretanto, leva-se ao lume 1 litro de água a que se juntam umas pedrinhas de sal. Deixa-se levantar fervura. Retira-se do calor, juntam-se os vinhos verde e Madeira (ou Moscatel) e leva-se novamente ao lume para levantar fervura. Depois, adiciona-se o líquido, a pouco e pouco, à gemada. Volta a ir ao lume apenas para ferver. Os ovos ficarão assim cozidos. Fora do calor, adiciona-se o vinho do Porto que já não vai ao lume. Mexe-se e, se for necessário, junta-se um pouco mais de açúcar. Na altura de servir, aquece-se o vinho em banho-maria e serve-se em chávenas com bocadinhos de pão fazendo sopas. Esta bebida serve-se com os fritos depois da Missa do Galo.
Licor de tangerina
1 litro de álcool a 90 graus
1 litro de água
1 kg. de açúcar
as cascas de 6 tangerinas grandes e bem maduras (amarelas)
Dissolve-se o açúcar na água e deita-se, assim como os restantes ingredientes, num garrafão de boca larga. Chocalha-se o garrafão todos os dias - duas vezes - durante nove dias. Filtra-se através de filtros de papel. Serve-se sempre no Natal.
Em Maria de Lourdes Modesto, no capítulo Açores de "Cozinha Tradicional Portuguesa", Editorial Verbo"
David Lopes Ramos (PÚBLICO)

Guia do lazer,
http://lazer.publico.clix.pt/artigo.asp?id=94994
Imagens retiradas dos seguintes sitios:
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