terça-feira, janeiro 17, 2006

Para quem viu "O fiel jardineiro"...

... não se esqueçam de dar o desconto por ser artigo do Correio da Manhã mas aqui fica uma história que resultou num filme que me comoveu como poucos...
Luta e dedicação: A história da mulher do Fiel Jardineiro
"Para escrever o romance ‘O Fiel Jardineiro’, John Le Carré inspirou-se na amiga francesa, Yvette Pierpaoli. Era uma mulher de causas que morreu numa estrada da Albânia quando tentava ajudar refugiados do Kosovo.

Yvette Pierpaoli é a mulher por detrás de Tessa, a activista assassinada no filme ‘O Fiel Jardineiro’, baseado na obra de John Le Carré. Menina pobre, prostituta em Paris, mãe solteira, mulher de negócios, a amiga do escritor, a quem a obra literária é dedicada, também faleceu no exercício de uma missão. Mas da ficção à realidade vai alguma distância. A francesa era uma mulher singular, que protegeu crianças de rua e refugiados.
O livro ‘O Fiel Jardineiro’ evolui a partir do assassinato de Tessa, uma jovem activista no Quénia. A notícia da morte da amiga apanha Le Carré em Nairobi, à procura de cenário para a obra. “Alguns meses antes de saber do falecimento de Yvette esbocei a personagem de uma mulher envolvida de forma apaixonada no trabalho humanitário em África e morta no início do livro. Por outras palavras, estava a chamar Tessa à minha amiga e a chorar o falecimento dela antes de acontecer”, conta o escritor num raro testemunho.
Foi a mulher do inglês, Jane, quem lhe deu a triste notícia, escassos dois dias após ter aterrado no Quénia. Pierpaoli, uma amizade com 25 anos, morreu num acidente de viação na Albânia, quando seguia de Tirana para Kukes, no cumprimento de uma missão de apoio a refugiados do Kosovo. Temporal e más estradas montanhosas empurraram o carro por uma ravina. “Foi uma história terrível. Investigámos, mas não há dúvida que se tratou de um acidente”, conta à Domingo o presidente honorário da organização Refugees International (RI), Lionel Rosenblatt, à qual a francesa estava ligada quando faleceu, em 1999.
Também perderam a vida o motorista e os companheiros de viagem da activista, um casal norte-americano pertencente à RI. “Os três tentavam ajudar os refugiados a localizar familiares através de contactos via rádio. Na ânsia de acelerarem o processo de comunicação de campo para campo, terão decidido fazer a viagem apesar das más condições atmosféricas.”
Numa homenagem póstuma, a organização tem feito perdurar a memória dos seus três membros, que dão o nome à sede, em Washington; a uma bolsa de estágio e ainda ao Prémio Humanitário McCall-Pierpaoli. A primeira personalidade distinguida, em 2004, foi o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, e a mulher, Nane.
Pierpaoli tinha 61 anos quando faleceu e um percurso de vida singular, talhado à medida de um filme ou de um livro. Na verdade, deixou uma obra autobiográfica – ‘La Femme aux Milles Enfants’, editada em 1992 em França –, que a actriz norte-americana Julie Andrews já tentou converter num filme, sem êxito. Para escrever o livro, a francesa, nascida em Metz, rumou ao sul do país natal e isolou-se em Uzés, onde tinha uma propriedade. “Impaciente como era, Yvette pedia-me constantes comentários a passagens da autobiografia, que me enviava por fax. A insistência em apresentar-se como filha do destino assustava a minha veia literária e aconselhei-a a dosear o tom. A vida dela era suficientemente exótica”, lembra Le Carré.
De facto, os primeiros anos de vida de Pierpaoli são relatados com dramatismo na autobiografia. Descendente de emigrantes italianos, a activista era filha de um casamento afogado em problemas. Expulsa de casa adolescente, deambulou por Paris até cair nas garras de um chulo, Mário, que a “tentou prostituir”, como escreveu no livro. A descoberta de uma gravidez indesejada fê-la equacionar o suicídio.
Na capital francesa, Pierpaoli, que foi mãe solteira, convidou o cambojano Phuon Monich a ser pai do primeiro e único filho biológico, uma rapariga registada como Muyivey Emmanuèle (Manou). Mais tarde, a família monoparental cresceu com o órfão Olivier.
Com Manou nos braços, Pierpaoli, então com 25 anos, decidiu concretizar a vontade de conhecer o Camboja e comprou um bilhete de ida para Phnom Penh. Prosperou com uma empresa de importação e exportação, a Suisindo, em parceria com o amigo de sempre, o suíço Kurt, um capitão da marinha mercante. “Conheci-os num jantar em casa de um diplomata alemão, em Phnom Penh. Yvette era uma pequena e astuta francesa de olhos castanhos, na transição dos 30 para os 40 anos. Tanto podia derreter os nossos corações com um sorriso como podia vencer-nos de qualquer forma. Mas era tudo por uma causa”, explica Le Carré.
PARA ANGARIAR DINHEIRO, Pierpaoli não hesitava em “transformar-se numa destemida mulher de negócios, especialmente quando achava que o dinheiro de alguém estava melhor nos bolsos dos necessitados.” Rosenblatt concordou que, neste aspecto, a amiga era muito diferente da personagem Tessa: “Era mais uma espécie de Madre Teresa que uma idealista. Estava determinada a salvar pessoas numa base pessoal. Não era movida por ideais. Tinha muito respeito pelas vítimas mas sem abusar do lado maternal.”
Com os conflitos sanguinários que antecedem e sucedem à tomada do poder pelos khmers vermelhos, em 1975, as populações deslocam-se e Pierpaoli descobriu a vocação humanitária no Camboja. Mais tarde, concentrou-se em evitar o repatriamento de 300 mil cambojanos refugiados na fronteira com a Tailândia e em assegurar--lhes condições mínimas de sobrevivência. Mística, a francesa “estava convicta que certas coisas na vida dela eram fruto do destino”, justifica Le Carré.
TAMBÉM PIERPAOLI é forçada a trocar Phnom Penh por Banguecoque. Mas a morte de Kurt e problemas nos negócios, empurraram-na para o trabalho humanitário. A cobro da organização sem fins lucrativos que fundou, Project Tomorrow, desenvolveu acções em diversos países, no apoio a populações desfavorecidas e, sobretudo, crianças. Colaborou com a RI, da qual era representante na Europa. “Embora pela idade, ocupação, nacionalidade e nascimento, Tessa seja muito diferente de Yvette, o compromisso da minha personagem com os pobres em África, em particular as suas mulheres, o desprezo pelo protocolo e a determinação foram retirados do exemplo de Yvette”, explica Le Carré.
O funeral da amiga “foi o mais comovente” ao qual o escritor alguma vez assistiu. As cinzas de Pierpaoli foram sepultadas na propriedade francesa, seguindo ritos cristãos e budistas. “Amigos da América, do Camboja e da Tailândia abraçaram-se ao pôr-do-sol e prestaram-lhe homenagem junto à sepultura.”
Correio da Manhã, 15 de Janeiro de 2006

2 Comments:

Blogger boneca tem a dizer o seguinte...

este filme impressionou-me muito. mais do que a estória que envolve ambos personagens principais num idílico romance sem limites nem fronteiras, e constrastando com as paisagens de tirar a respiração que mostram no filme, a realidade que se vive em África deixou-me de rastos. ouvimos nos noticiários, lemos nos jornais, mas não podemos imaginar. nem mesmo consigo imaginar como será difícil entregarmo-nos a uma missão humanitária e ver à lupa a impotência que nos violenta e marca para uma vida inteira.

1:43 da tarde  
Blogger Floppy tem a dizer o seguinte...

pois... não sei estava mto sensível quando o vi mas a verdade é que chorei do principio ao fim... chorei não por causa da história de amor entre eles mas sim pela história de amor entre ela e aquele povo... chorei porque me lembrou a minha viagem a Angola (um objectivo que tanto me fez sonhar)... chorei porque me lembrou a vontade que tive em os ajudar e como me senti impotente... chorei porque no fundo nunca se conhece ninguém realmente (se calhar, nem a nós próprios) e a descoberta que aquele homem faz da sua mulher é tal que acaba por encontrar algo em si que também não existia... e porque eu também descobri qualquer coisa assim, enquanto viajava pelo Namibe...

3:05 da tarde  

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