terça-feira, agosto 09, 2005

Atitude cívica do dia...

... ontem, o Niño enviou-me este artigo de um jornalista da SIC...
Da minha infância, guardo uma recordação passada em terras da Cotovia (perto de Sesimbra) onde houve um incêndio num morro mesmo em frente à casa onde passavamos férias... o meu pai estava a trabalhar em Lisboa e a minha mãe, cheia de coragem, pôs um lenço na cabeça, pegou numa vassoura e foi combatê-lo... lembro-me perfeitamente de ver as laredas e não me mexer numa mistura de terror e fascinio, com uma mão dada à Avó-Xixa, que tinha o mano Vasco ao colo, e outra ao primo Rodrigo... São medos que não se esquecem e que nos levam a não compreender o porquê...
Bem, este artigo faz tanto sentido que achei que o devia partilhar, aqui fica:

A indústria dos incêndios
A evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada.

Oficialmente, continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria dos incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários seriam pessoas mentalmente diminuídas.

Mas a tragédia não acontece por acaso. Vejamos:

1 - Porque é que o combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas, ao contrário do que acontece noutros países europeus da orla mediterrânica?
Porque é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após tantos anos de ocorrências?
Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair?
Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis?
Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?
2 - A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios...
3 - Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.
4 - À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder". Uma clara vingança de quem não quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso ao regime livre.
5 - Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais tenros e atractivos para os rebanhos. Os comandantes de bombeiros destas zonas conhecem bem esta realidade.
Há cerca de um ano e meio, o então ministro da Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a praticar o crime...
Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta - e até as habitações - e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto perfeitamente marginal?
Estranhamente, voltamos a ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração pública no sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o país.
Há uma indústria dos incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma organização comum mas têm o mesmo objectivo - destruir floresta porque beneficiam com este tipo de crime.
Estranhamente, o Estado não faz o que poderia e deveria fazer:
1 - Assumir directamente o combate aéreo aos incêndios o mais rapidamente possível. Comprar os meios, suspendendo, se necessário, outros contratos de aquisição de equipamento militar.
2 - Distribuir as forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções de vigilância permanente. (Pelo contrário, o que tem acontecido são acções pontuais de vigilância e combate às chamas).
3 - Alterar a moldura penal dos crimes de fogo posto, agravando substancialmente as penas, e investigar e punir efectivamente os infractores
4 - Proibir rigorosamente todas as construções em zona ardida durante os anos previstos na lei.
5 - Incentivar a limpeza de matas, promovendo o valor dos resíduos, mato e lenha, criando centrais térmicas adaptadas ao uso deste tipo de combustível.
6 - E, é claro, continuar a apoiar as corporações de bombeiros por todos os meios.
Com uma noção clara das causas da tragédia e com medidas simples mas eficazes, será possível acreditar que dentro de 20 anos a paisagem portuguesa ainda não será igual à do Norte de África. Se tudo continuar como está, as semelhanças físicas com Marrocos serão inevitáveis a breve prazo.
José Gomes Ferreira - Sub-director de Informação

4 Comments:

Anonymous Anónimo tem a dizer o seguinte...

Este artigo podia ter sido escrito pelo meu marido...é impressionante...estava a ler e parece que o estava a ouvir...Há tanto tempo que ele diz isto!

E isto é tão verdade...é uma tristeza este país!

Ainda no outro dia, já não via o Telejornal há umas semanas, vi um bocado quando noticiavam os incêndios...Chorei muito...pelas imagens, por pensar nas pessoas, nos animais, nos bens...e dei por mim a pensar: daqui a uns tempos, quando quiser explicar à minha filha o que é uma árvore ou uma flor, será que ainda existirá alguma para lhe mostrar??

Cláudia Nogueira

12:35 da tarde  
Blogger Floppy tem a dizer o seguinte...

Eu sei que não podemos combater contra a maré mas acredito que pessoas como eu e tu (e mtas outras que conhecemos) podemos fazer a diferença e enquanto uns queimam, nós podemos plantar! Nem que seja na cabeça de outras pessoas que sejam mais insensiveis...

Não achas que apesar de haver cada vez mais incêndios, também cada vez há mais gente sensibilizada para esta problemática?

12:43 da tarde  
Anonymous Anónimo tem a dizer o seguinte...

Haver há...só que apesar das denúncias, das tentativas de controlo, da sensibilização das pessoas é uma coisa aterradora...

É todos os anos...todos os Verões...é assustador...

Não consigo entender isto...Eu quero ver o que é que os gajos que andam a lucrar com isto um dia vão usufruir...quando não houver oxigénio para se respirar...

Cláudia

12:45 da tarde  
Anonymous Anónimo tem a dizer o seguinte...

Há más recordações que tem o "mérito" de nos ajudar a combater aquilo que tanto custa a tantos...

5:21 da tarde  

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